
O jornal não foi feito para a alegria.
Se nasce uma flor em El Salvador, nunca saberemos dela,
porque de lá só nos chega o número de mortos do último
atentado: a flor de El Salvador é uma flor de sangue.
E se Bob Dylan fez uma nova canção em Nova Iorque.
E se o arroz floriu no Camboja.
E se um menino-Deus nasceu no ABC paulista.
E se alguém foi irmão com alguém na Baixada Fluminense.
E se um judeu abraçou um árabe em qualquer parte do
mundo e foi por ele também abraçado.
E se etc., etc., etc., acontecer, não ficaremos
sabendo, porque o jornal está muito ocupado com a
tempestade de neve ou a greve em Nova Iorque, está muito
ocupado com a morte no Camboja, muito ocupado com a
última greve no ABC paulista, muito ocupado com as
matanças do Esquadrão da Morte na Baixada Fluminense,
muito ocupado com os conflitos no Afeganistão, no
Camboja, no Líbano, muito ocupado com a última bomba
em Israel, muito ocupado com os reféns de Teerã ou de
Bogotá, muito ocupado com os homens do mundo tentando
fabricar uma flor de pólvora.
Mas tem que ser assim: o jornal não foi feito para
a alegria.
(Drummond, Roberto)