
Meu neto de 4 anos de idade sempre foi um garoto muito
esperto. Magricelinho, mas de boa saúde. Puxou a família
do pai, onde os nossos parentes são umas varas de apanhar
mamão. Prosa que nem ele só. Conversinha estralada para
chamar a atenção. Fazia já alguns dias que ele acompanhava
seus pais de férias, lá em casa.
Um dia, vinha eu chegando um pouco apressado, devido aos
afazeres da lida diária, e flagrei-o comendo um pedaço de
doce de leite. O naco era grande e ele não havia chegado à
metade ainda. Mais do que depressa, como era costume entre
nós, pus-me a reinvindicar os meus direitos a uma fatia
daquela deliciosa merenda.
- Lucas, me dá um pedaço...
Não pude completar a frase. No que comecei a falar e a pedir,
ele enfiou o pedaço de doce todinho na boca. Para a mercadoria
caber no recipiente foi necessário que ele se socorresse da
ajuda das duas mãos, virando-me as costas, para se esconder
melhor. Não aguentei. Ri a gargalhadas.
- Que coisa feia, Lucas, ridicando um pedacinho de doce do
vovô!... Ele, meio que apurado, quis rir também, mas começou
a tossir. E tossiu e vomitou o doce todo - que na mesma
velocidade que entrou, saiu -, enchendo as mãos de doce e
de baba. Uma baba comprida, parecendo catarro. Aí riu de
verdade, oferecendo-me uma ponta da comida vomitada.
- Aqui, ó vô, um pedacinho pro cê.
- Eco, não quero esse trem nojento não!
- Não, vô, pega. Tamo, é seu. Tá com nojo de mim?
E ria mais ainda, porque tinha a certeza de que eu não ía
pegar aquela nojeira. Não ía comer aquele doce já
começado a se dissolver com sua saliva. Ele sabia disso e
fez de propósito, justamente para ver minha reação.
Depois disso, Lucas ficou com a consciência pesada, me
adulando, puxando conversa...
- Vô, vou buscar outro pro cê, tá?
- Cê vai ter que pedir pra vovó, que você não sabe onde
ela guarda os doces!
- Eu que não sei, vô?
- Sabe?
- Eu sei, mas não falo.
- Onde, me conta!?
- Não posso. Ela falou preu não comer doce que senão
dá lombriga e estraga os dentes.
- Então você pegou escondido?
- Foi, mas não conta pra ela não, viu, vô!
- Tá bom, eu não conto pra ela, mas me diz onde é que
tá o doce!
- É lá no armário da cozinha, "drento" do pote de "vrido".
Enfim eu e o Lucas nos reatamos e pudemos esvaziar o
pote de "vrido" de "drento" do armário, que deveria
estar cheio de doce de leite em pedaços - pedaços
saborosos -, caso Lucas não o tivesse encontrado
há alguns dias.
"Do livro Causos Incausos - Contos - de Elson
Gonçalves de Oliveira, p. 58 e 59"