
Era a primeira vez em quase 30 anos que eu interrompia as
obrigações cotidianas, sem férias, sem feriadão, e rumava
para uma aventura de pesca. Me deu vontade de dizer, pelo
lirismo da palavra, que saíra sem destino. Mas não era sem
destino. Porque quem planejou a viagem foi meu amigo Carlos
Magalhães, diretor aposentado de multinacional, que ainda
leva os rígidos princípios do trabalho para a organização
das pescarias.
Saímos de Goiânia, numa bela madrugada de quinta-feira, numa
caminhonete do próprio Carlos, preparada para viagens de pesca,
que ele chama carinhosamente de Suruana. Éramos seis.
Deveríamos chegar ao mesmo dia a Dourados, onde moram Magal
e Tiago, respectivamente filhos do Tião e do Carlos, e exercem
a medicina. Confesso que, pela falta de hábito de sair assim,
fui com um certo peso de consciência por estar deixando
para trás minhas obrigações e minha mulher, pois a gente
sempre viajou junto. Mas a pescaria era só pra homens. Com
a conversa fluindo legal, a paisagem se renovando a cada
minuto, em pouco tempo se esvaeceram meus sentimentos negativos.
De Dourados a gente daria uma chegadinha a Pablo Juan Cabalero,
no Paraguai, para comprar os petrechos de pesca: varas, linhas,
carretilhas, molinetes, iscas artificiais etc.
Depois de dois dias confortavelmente acolhidos pelo Thiago e
pelo Magal em Dourados e duas viagens ao Paraguai, rumamos,
agora em dois carros, para o Pantanal, onde deveríamos nos
juntar a quatro outros camaradas que viriam de Luz, em Minas,
trazendo um carregamento de cerveja e de minhocuçus.
O dia passou sem a gente ver. Era tanta paisagem deslumbrante,
com as caraíbas e os mulunguns de brejo florindo fartamente,
com as garças voando feito guardanapo ao vento, os tuiuiús em
bando, os jacarés em manada se esquentando ao sol, que o dia
passou mais depressa que o esperado.
Ao findar do dia chegamos a Albuquerque, um paraíso pesqueiro
no Rio Paraguai, perto da Bolívia, logo abaixo da foz do Rio
Miranda.
Tivemos recepção de nobreza na pousada-palafita do Gordo (que
é bem magrinho), coadjuvado pelo careca (detentor de uma juba
farta). O tio Zé e sua turma já estava no mundo, à cata do
grande surubim. Na verdade o fetiche de todo pescador é
pescar um surubim acima de um metro.
Após seis dias subindo e descendo freneticamente o rio, com
guias locais, como se pescar fosse a salvação do mundo, era
a hora de fazer as malas e retornar às obrigações cotidianas.
Ninguém pôs as mãos no grande surubim, que eu saiba. Mas
ele nos animou todos esses dias. E é bem capaz que, pro
ano, a gente faça outra expedição, e saia fagueiramente
em busca do tal grande surubim do Rio Paraguai.
"Cronista: Edival Lourenço"